O Plano Diretor de nossa cidade foi aprovado em 2019, depois de extrapolar anos de omissão do poder executivo municipal, e com dificuldades na ordem jurídica, pois basta um olhar mais atento, que existem elementos que apontam para anular os atos ligados à revisão do Plano Diretor de Caruaru, o mais grave está na ausência efetiva da participação popular, pois não se tem notícia que tenha havido reuniões, debates e discussões que assegure efetiva participação da sociedade caruaruense e de associações representativas de diversos segmentos sociais, fato esse acontecido na gestão da prefeita Raquel Lyra, e que o mencionado instrumento pode ou poderá ainda ser levado no âmbito da justiça com a possibilidade de ser anulado.
Controvérsias a parte, pouco se ouviu falar nas diretrizes que foram tomadas no âmbito do presente e do futuro das ruas e calçadas de Caruaru, fator esse de grande preocupação tendo em vista a precariedade, em particular, das calçadas em nosso Município, quando se sabe que constituem o espaço público por excelência, onde todos têm a garantia de ir, vir e circular.
Para tanto, devem possuir as dimensões necessárias ao deslocamento com segurança e que sua conservação não comprometa a saúde dos pedestres com buracos, resíduos de todas as espécies e má conservação, uma vez que existe a gênese de achar que os espaços públicos são privados e, em sendo assim, podem sofrer todo tipo de intervenção particular.
Alguns urbanistas afirmam que a “largura das calçadas são a medida da democracia de uma cidade”. Neste diapasão todos nós somos pedestres, podendo de forma transitória estar de bicicleta, em automóvel, no transporte público ou mesmo a pé.
Neste pensamento, faz-se mister traduzir para a realidade das ruas 3(três) princípios democráticos fundamentais no âmbito do Direito Urbanístico, e que deveriam ter sido inseridos nas plenárias e no próprio Plano Diretor aprovado, que seria garantir o acesso às ruas e às calçadas: A liberdade de expressão, a alternância de poder e pluralidade.
No ponto, as ruas devem proporcionar garantia a todos e todas para que se manifestem livremente, falem o que pensam e ouvi a opinião dos outros sem medo de represálias. Nas ruas isso implica que os meios de transporte maiores devem zelar pela segurança dos menores e todos pela segurança do pedestre. Esse princípio está esculpido no CTB – Código de Trânsito Brasileiro, vitória para a democracia.
O que se observa na cidade é que o mais forte tem o monopólio do uso da força sem alternância de poder e é por isso que nossa sociedade se engessou e não progrediu. Alternância de poder é adequar que diferentes fluxos (carros, ônibus, vans, bicicletas, motocicletas, pedestres) tenham garantido o acesso seguro às vias. Cada um a seu tempo e respeitando a presença do outro, e que todos possam utilizar as ruas.
A discussão da mobilidade passa por uma cidade plural, e estas são sempre as melhores. Já está comprovado que as cidades onde existem uma enorme quantidade de opções de transportes, democratiza as escolhas, e aí depende de cada um a seleção em conformidade com suas condições financeiras. É importante que se afirme e que se diga que o transporte individual, seja bicicleta, motocicleta ou automóvel, tem vantagens em relação ao transporte público, mas não pode orientar políticas públicas de mobilidade urbana.
Portanto, os meios de transportes públicos como ônibus, metrô, trens, BRT, VLT, etc, devem ser alternativas eficazes ao transporte individual e coletivo, e são as melhores maneiras de garantir que os cidadãos e cidadãs possam escolher como desejam se deslocar, mas que haja a possibilidade/viabilidade de integração entre os diferentes modais, ou seja, por exemplo, que o indivíduo possa se deslocar até certo ponto da cidade de bicicleta, estacionando em bicicletários seguros, e daí ir ao seu trabalho ou atividade em um transporte público de qualidade, diminuindo os impactos, seja financeiro, de trânsito ou favorecendo a economia do baixo carbono, e por via de consequência a qualidade de vida de todos e todas.
Na verdade, todos os princípios democráticos aplicáveis às ruas mencionados aqui já estão previstos em lei. O que falta aos gestores e gestoras de um modo geral é coragem e a adoção da lei de mobilidade como instrumento urbano para desenvolver com sustentabilidade nossas cidades, com a aplicação da economia do carbono zero, mitigando os efeitos do combustível fóssil e suas implicações na saúde das pessoas e no enfrentamento das mudanças climáticas.
Infelizmente a realidade prática ainda não contempla uma democracia efetiva. As pressões e os interesses de grupos para adequar as cidades aos meios de transporte individuais e motorizados ainda seguem com um grande poder de influência, embora o rumo desta distorção deverá ser corrigida pelas necessidades climáticas e pela discussão no seio da sociedade, atendo as necessidades coletivas ao invés do egoísmo individual do consumo ou de interesses de empresas.
*Marcelo Rodrigues, é advogado militante, professor, mestre e doutorando em Direito Público pela Universidade Lusiada de Lisboa, e Pré Candidato pelo PT – Partido dos Trabalhadores.